segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Sobre a possibilidade de mudar a cultura de uma comunidade: compartilhando uma experiência ComVida

Uma coisa tem me intrigado, entre tantas outras, que é a possibilidade de se mudar a cultura de uma comunidade. Mas primeiro caberia esclarecer exatamente o que estou denominando por “cultura”, já que esse conceito tem tido tantas aplicações e entendimentos diferentes. Vou utilizar esse termo aqui para significar a mentalidade, a forma de uma comunidade pensar-se a si mesma, se comportar e agir na costura entre seus valores e sua práxis. Aqui, cultura seria o “modo de fazer” a partir de valores individuais e coletivos.

Bom, com esse esclarecimento preliminar, com certeza já bastante polêmico em si mesmo, eu gostaria de voltar à questão inicial: é possível mudar a cultura de uma comunidade? E se for possível, quais seriam os mecanismos ou “modus operandi” para processar, possibilitar ou estimular essa mudança? O apóstolo Paulo nos recomendou uma “mudança de mente” (Romanos 12:2), que certamente tem tudo a ver com a mudança da cultura, afinal os valores se situam no nosso universo cultural, ou no nosso “jeito de fazer” a partir de nossa visão de mundo.

O trabalho com desenvolvimento local está centrado na noção de mudança de mente, mudança de valores, mudança de comportamento. Os agentes de desenvolvimento estão seriamente comprometidos com a criação de práticas saudáveis, sustentáveis, eticamente comprometidas com a valorização da vida, do estimulo à cooperação, do equilíbrio na utilização dos recursos naturais e da democracia como reguladora dos conflitos. E nós que somos agentes de desenvolvimento do Reino de Deus fazemos essas coisas a partir da cosmovisão bíblica e da ética cristã.

Operar a mudança dos valores na comunidade implica em estimular novas e saudáveis práticas, que possibilitem uma transição entre os velhos hábitos e uma nova mentalidade. Implica em construir práticas individuais e coletivas a partir da cosmovisão que estamos adotando. É para isso que nós, agentes de desenvolvimento, ensinamos às pessoas hábitos higiênicos e alimentares que valorizem seu corpo como templo do Espírito Santo, oferecemos alternativa profissionalizante para que tenham dignidade, organizamos produtores em cooperativas para que não apenas aumentem sua renda mas tenham uma práxis econômica solidária, enfim, gestamos práticas saudáveis e sustentáveis.

Uma forma que estamos encontrando para mudar a cultura de nossa comunidade, está sendo através da disseminação do software livre entre os jovens, com o objetivo de “mudar a mente” da juventude local. Os dados sobre pirataria informam que o Brasil é um dos países com maior índice de ilegalidade no uso de softwares e tecnologias de informação e comunicação. Mais de 90% das pessoas que possuem um computador em casa ou no escritório não registraram seus softwares. Só temos certeza que um software é registrado quando possuímos o certificado do registro, mas como geralmente pagamos a algum técnico amigo de um amigo para consertar os problemas de nossos micros ou instalar os programas que desejamos, acabamos participando de uma comunidade que dissemina, estimula e vive na ilegalidade. Ou seja, somos ladrões, pois os produtos que estamos usando não nos pertencem, não pagamos por eles.

Durante algum tempo eu tive resistência mental para assumir essa realidade. Eu me justificava acreditando que, pelo fato de viver num país com renda tão baixa, de minha própria renda não ser suficiente para, além das despesas comuns, pagar algo em torno de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) pelo registro do windows e do pacote do office, fora os outros softwares adicionais necessários (é isso mesmo, quase o preço do micro por apenas dois softwares) e o sistema capitalista ser desumano, degradante, excludente, cruel, tirano e anticristão, poderia usar os programas que quisesse gratuitamente. Mas não é assim que funciona na justiça humana e muito menos na justiça de Deus. Nenhum criminoso pode justificar ao juiz que cometeu o crime porque o sistema o obrigou. Muito menos o Senhor, que nos ensinou a “dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:21), iria aceitar tal argumentação, por mais graça que flua do seu trono de misericórdia, afinal Ele é um Deus de justiça e teria diante dele o proprietário desenvolvedor do software alegando estar sendo roubado por esse ladrãozinho cristão.

Mas como resolver esse dilema? É o mesmo dilema que milhares de cristãos que desejam ser coerentes com sua fé e viver a práxis da cosmovisão cristã, mas que acabam submersos num sistema que nos empurra para a ilegalidade. Aliás, de ilegalidade em ilegalidade, a nossa Nação chegou ao ponto que chegou, quando o presidente operário e o partido guardião da ética, que eu inclusive ajudei a construir, traindo tudo que sempre pregaram, entregam-se às práticas vis e desonestas que sempre denunciaram. O fato em si é outra história que não estou discutindo aqui, mas sim a situação de vivermos de ilegalidade em ilegalidade, de jeitinho em jeitinho, de quebra de alianças em quebra de alianças, ao invés de vivermos de “glória em glória, de fé em fé, de força em força” (II Cor. 3:18 e Rom. 1:17).

Creio que para mudar a práxis de um povo, é preciso mudar a mentalidade de suas comunidades. “Idéias têm conseqüências”, diria Darrow Miller. E nada melhor do que começar mudando a mentalidade e os hábitos da juventude. Daí, volto à questão do software livre. Eu não sou defensor do direito de propriedade intelectual, pra mim todo conhecimento é propriedade da humanidade, pois nenhum autor formulou qualquer teoria ou invento sem contar com os avanços deixados por seus predecessores. Mas nem por isso posso ou devo montar minha biblioteca com xerox das produções intelectuais que não posso ou não quero comprar na livraria. Prefiro ser coerente participando de um movimento social que vise mudar essa mentalidade e essa práxis de “copyright”, como o movimento pelo conhecimento livre. E lá vai eu mudando de assunto de novo...

Bem, o que é exatamente software livre? De forma bem simples, é aquele que pode ser copiado, modificado e redistribuído gratuitamente. É conhecido também como “software de código aberto”, pela possibilidade de alteração e desenvolvimento de seu código fonte pelo usuário, em oposição ao “software de código fechado” ou “software proprietário” como são conhecidos os softwares que não são livres. Isso parece complicado, mas não é. Um belo dia um jovem finlandês inspirado pelo Autor da Vida criou o código fonte de um sistema operacional chamado de linux. E distribuiu na faculdade e pela internet, pedindo que quem fizesse aperfeiçoamento no seu sistema, lhe devolvesse a inovação e que distribuísse gratuitamente para outros usuários. A partir daí iniciou-se uma revolução no mundo da informática que proporcionou a existência de comunidades virtuais e reais linux.

Eu sempre achei que linux era coisa de gente que entendia muito de informática, de programadores ou desses garotos que vivem fuçando na frente do computador. Nada pra mim, um usuário comum que mal utiliza o word, o excel, às vezes o power point e, com freqüência, o internet explorer. Baita ignorância, a minha. Não é nada disso. Minha surpresa começou quando, após orar ao Senhor pedindo uma solução para a pirataria que estava presente em nossa igreja, pois temos um projeto social que envolve um laboratório de informática para treinamento, eu estava aguardando que chegasse um e-mail de algum anjo dizendo que o dinheiro para registro dos pacotes windows e office estava milagrosamente depositado em nossa conta. Mas os nossos caminhos não são os caminhos do Senhor... ainda bem, pois o que Ele nos enviou foram alguns jovens do Ministério da Cultura que nos falaram do software livre. Mas não nos convenceram totalmente. Então o Senhor enviou um servo dele, que nos deu um treinamento sobre o Linux Kurumin e, posteriormente, em Linux Boto e Linux Ubuntu. Que maravilha, os sistemas são muitíssimo parecidos com o windows, janelinhas, clique aqui, clique ali, ícones bonitinhos, editor de texto, editor de planilhas, tudo enfim que estávamos acostumados a usar em nossas necessidades. E o melhor de tudo, gratuito, sem necessidade de pagar direitos autorais, criado por uma comunidade que compartilha livremente conhecimento e tecnologia. Isso existe sim, gente. Aqui no planeta terra mesmo. É uma manifestação de valores do Reino de Deus, apesar de muitos dos membros dessa comunidade não estarem conscientes disso e outros até negarem o Autor da Vida, mas a sabedoria é d’Ele.

Agora estamos transicionando nossos computadores para utilizarem apenas software livre. É uma opção pela legalidade e por uma práxis que trás em si uma nova mentalidade de compartilhar o conhecimento, de caminhar em novidade de vida, de não permitir brechas para o ataque do inimigo. Claro que como toda transição é conflituosa, mas estamos determinados a migrar, não ficaremos sentados às margens dos rios da Babilônia chorando nossas dores, vamos cantando alegremente nossa canção da vitória e da libertação. Estamos formando jovens monitores que disseminem essa prática na comunidade e que atuem como auxiliares em informática para aqueles que querem aprender essa novidade de vida, mudar a mente e jogar fora no lixo tudo que é ruim.

Voltando à pergunta inicial se é possível mudar a cultura de uma comunidade, eu creio que é sim e sou agente dessa mudança, comprometido com os valores do Reino e de passo em passo proporcionando à comunidade mudança de vida, qualidade de vida, intimidade com o Rei. A filosofia do nosso ministério é levar o evangelho a todo homem e ao homem todo, assim vamos construindo uma comunidade de famílias comprometidas com Deus e vivendo no seu Reino. Se o Reino ainda não está plenamente em nosso meio, nós o antecipamos vivendo seus valores.

A Experiência da Agenda 21 e do Plano Diretor Local de Rondon do Pará

Rondon do Pará é um município localizado na área denominada como “arco do desmatamento”, onde estão localizados os municípios responsáveis por 70% do desmatamento da Amazônia nos anos 2000-2001. É uma expressão do modelo desordenado de ocupação da Amazônia, com a economia em declínio por conta da “migração” da indústria madeireira para outras regiões, uma vez que mais de 65% de seu território já está alterado, uma população predominantemente jovem (66% tem menos de 29 anos de idade) e com um dos maiores índices de brasileiros vivendo ilegalmente nos EUA.

Quando a Agenda 21 iniciou, no final de 2003 através de um processo da própria comunidade de mobilização para implantar um programa de desenvolvimento loca integrado e sustentável, o desafio era deixar de contemplar passivamente o passado, tão recente e tão dramático, e voltar-se para o futuro, construindo alternativas para um novo padrão de desenvolvimento humano e social.

Através da Agenda 21 foi possível exercitar o protagonismo local, movendo a comunidade a contemplar-se a si mesma como detentora de talentos, de recursos e da capacidade de superar as dificuldades e construir seu futuro. A integração dos processos da Agenda 21 com a elaboração do Plano Diretor Municipal deu consistência à forma de superarmos esses desafios, pois além de ter como produto um “plano estratégico de desenvolvimento sustentável”, temos agora também os instrumentos para execução desse plano.

Foram mais de 35 reuniões, oficinas, seminários e audiências públicas realizadas, envolvendo mais de 4.000 participantes, sem dúvida o maior processo participativo de deliberação sobre políticas públicas nos 24 anos de emancipação e 36 anos de vida do município, o que corresponde a 10% da população. O processo gerou a criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável, composto por 21 instituições e instalado no dia 14 de novembro de 2006, já com o desafio de elaborar uma Agenda de Prioridades, estabelecida pelo próprio Plano Diretor Municipal.

Na Agenda de Prioridades as ações do Plano Diretor serão classificadas em dois níveis: aquelas que a comunidade poderá executar com seus próprios esforços e recursos (uma Agenda Local) e aquelas para as quais deverá contar com parcerias externas (uma Agenda de Negociação). Também serão classificadas como de curto prazo (02 anos), médio prazo (até 5 anos) e longo prazo (até 10 anos). O desafio seguinte será inserir as ações prioritárias locais (de curto e médio prazos) no planejamento orçamentário local, através da Lei Orçamentária Anual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e do Plano Plurianual. Já para as ações prioritárias de negociação, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável e seus parceiros serão capacitados para elaboração de projetos e captação de recursos.

A Agenda 21 Local já trouxe frutos positivos com o foco concentrado na implantação do Pólo Moveleiro Regional Sustentável e no fortalecimento da cadeia produtiva do leite. Para dar suporte a essas iniciativas, conseguimos a implantação do SEBRAE, uma antiga aspiração da comunidade, do Programa de Microcrédito para pequenos empreendedores, de um programa local de capacitação e qualificação dos produtores e agentes sociais, a articulação para implantação da Universidade Federal Rural da Amazônia com cursos superiores voltados para a vocação regional, a articulação dos municípios da região através do CIDES (Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável da BR-222), uma iniciativa inédita dos prefeitos da região, estimulados pelos princípios da Agenda 21 e, mais recentemente, a estruturação da gestão ambiental através da criação e implantação da Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente e inauguração da agência do Banco da Amazônia.

Os nossos desafios são grandes, e o principal deles é não reproduzir os erros do passado, romper com a noção de “progresso” tão cultuada nos rincões colonizados da Amazônia e pensar que as gerações futuras têm o mesmo direito que temos ao uso dos recursos naturais. Um futuro sustentável, daí cremos e afirmamos que RONDON DO PARÁ: O FUTURO É AQUI!